quinta-feira, 21 de maio de 2009

Da Orfandade

Tenho algum orgulho-besta (o "besta" é para aligeirar a cagança) em apelidar-me de self-made. Porque não conto com um dos progenitores há quase 2 décadas. Porque o restante esteve demasiado ocupado a cuidar-me do sustento básico e da nossa sobrevivência.
Coisas supérfluas como livros, filmes, música e merdas e cenas eram-no. Supérfluas. O proletariado é excelsamente poético, digno e arrebatador quando olhamos a classe sempre apoucada de tudo, no alvor das manhãs e no ocaso semi-exangue. Mas vivê-lo é comer pão duro e agradecer a sorte de ter pão.
Por isso descobrir prazeres como ir ao cinema quando se é adolescente e se ganhou o guito do bilhete para lá poder ir, tem outra pinta. Sob a égide da curiosidade procuram-se os elementos adjacentes àquilo que desperta os sentidos, vindo as opiniões de outrem, decerto mais informado e sapiente na matéria, a assumir, pelo menos no início, uma importância assinalável.

E pode ficar-se por aí. Ser importante apenas num dado momento e depois devolver-se à sua efectiva dimensão. Mas outros há que, impregnados do argênteo brilho da centelha que os move, não só desagrilhoam os cativos da caverna como também os curam da miopia. Incrédulos e extasiados por um hedonismo insuspeito, naturalmente tenderão a endeuzar o benfeitor.

Há uns anos, iam os 90's pouco para lá do meio, li um daqueles artigos que João Bénard da Costa escrevia no fecho da revista do defunto Independente. E nunca mais o cinema foi só "a cena dos filmes". Pelo detalhe pessoal ora confesso e pela inexorável amplitude de quem era, sinto-me mais órfã desde que um pivot da Sic Notícias anunciou o falecimento de João Bénard da Costa.

Que possa contemplar e fruir para todo o sempre das obras que tanto amava.