domingo, 27 de julho de 2008

The Dark Knight , de Christopher Nolan


A mestria de Christopher Nolan reside, sobretudo, na singular lucidez soturna e sempre cativante da sua objectiva, captando as realidades herméticas por câmaras a cujo comando preside como um peixe na água.
Transportar tal técnica para Batman sem tal representar um handicap, é sintoma de uma versatilidade reservada aos melhores, mesmo que o produto seja uma vulga adaptação da DC comics à 7ª arte.
Batman Begins não desencantou, bem pelo contrário, e repete-se a dose neste fabuloso The Dark Knight.
O upgrade Maggie Gyllenhaal por vez da insípida Katie Holmes , mais um Aaron Eckhart ao seu nível habitual (muito bom), sempre com os suspeitos do costume Gary Oldman, Michael Caine e Morgan Freeman , completando o leque o convincente (contra as minhas expectativas) Batman Christian Bale , fazem daquilo que poderia ser uma mera adaptação para facturar, uma obra digna de ser levada a sério, dentro do seu género, obviamente. Mas o que faz deste filme de super-heróis uma pérola, é Heath Ledger. E sobre isto tratar-se-á infra...
Sobre a acção propriamente dita:
A Gotham City chega um estranho palhaço criminoso, um anarquista, um servo/senhor do caos de semblante desfigurado num horrendo sorriso de cicatrizes disfarçado/realçado com a devida maquilhagem circense. Contrariamente aos restantes criminosos, o que o move não é a ânsia de poder nem o dinheiro, move-o antes o puro gosto pelo caos, pela destruição, provando que tudo e todos são passíveis de corromper: O Joker!
O argumento está eficientemente tratado, embora os acontecimentos sejam todos bastante previsíveis - tendo a vantagem de eu ter parecido genial nos momentos em que segradava à minha companhia "agora vai explodir a barriga do senhor" e cenas afins :p, como deliro com perseguições, tiros e explosões, é boa onda... embora a cena dos ferries seja, indubitavelmente, a melhor: não há explosões capazes de ombrear com a natureza humana submetida a um teste bárbaro!
Em suma: vale o dinheiro do bilhete e não desilude.

Agora sobre Heath Ledger:
Sobre isto terei objectividade zero, mas é essa a ideia.
Ledger ombreia com Hopkins e Nicholson enquanto senhores capazes de dar corpo a vilões que fazem história pela sua carga dramática acima das possibilidades equacionáveis. Dá vida a um Joker que de Ledger nem a voz tem, mas cujo talento inominável exorta o espectador a um tombar de queixo de incredulidade/apoteose dos sentidos, eis o motivo pelo qual se vai ao cinema quando está um dia lindo lá fora: não há sóis nem tempestades mais dignos de testemunho.
Muito afectada, esta declaração? Sem dúvida, que a ideia de um nauseado/amargurado Sonny Grotowski , do ímpeto épico-errante de Harry Feversham e a dor pura e absoluta de Ennis Del Mar (para não alongar a enumeração mais do que o estritamente necessário) tornam quem lhe deu corpo alguém cuja adição ao mundo o tornava um lugar mais rico. E clichés à parte, é isto mesmo.
Alguém jovem, dotado de um talento extraordinário que após o seu amadurecimento se tornou num fenómeno digno de observação tão cuidada quanto deleitada, subtraído à vida, à doce vida, ampla e magnífica nas suas possibilidades infinitas e extraordinárias, na sua surpresa novidade inesperada e surpreendente, sempre diversa e nunca porta fechada à inexorabilidade do tempo... excepto ao fosso da morte.
Morrer novo mistifica o defunto. Mas não há mito capaz de suprir a parede infinita de vazio, de orfandade que é saber-se que não mais sobre a terra caminhará quem um dia foi vida e é agora um mito.

Oscar póstumo? Se for merecido, depende das demais prestações que aí venham. Não há homenagens capazes de suprir a perda... e ainda assim senti o coração bater mais depressa no último In Memoriam da cerimónia...