sábado, 11 de outubro de 2008

Nico Muhly "Mothertongue" - crítica


A tónica sobre a juventude de Nico Muhly (27 anos) é assunto incontornável sempre que se fala deste compositor daquele limbo musical onde a erudição, o clássico, o minimalismo e o impressionismo comungam sem que nenhum estilo exclua os restantes de um modo definitivo. No curriculum de Muhly constam colaborações com Bjork, Bonnie "Prince" Billy, Philip Glass e Antony Hegarty, bem como um primeiro álbum - “Speaks Volumes” - antecessor deste que aqui se aborda. Perante tal percurso, a idade impressiona mesmo.

“Mothertongue” divide-se em três partes: “Mothertongue”, “Wonders” e “The Only Tune”, e em cada uma delas a música contemporânea é tratada à mãos de uma pop com arranjos glaciares (há em Muhly traços vincados pelos comprimentos de onda a que nos habituaram os sons islandeses), com a exacta dosagem de samplagens tão prosaicas quanto investidas da mais objectiva candura versejante. Mas que não se esperem de “Mothertongue” melodias lineares e óbvias em face das quais obedecem esses elementos da contemporânea! O arrojo sonoro alia-se antes a um povoar de elementos fantasmagóricos suavemente harmonizados por uma “pop todo-o-terreno” (como alguém assertivamente a caracterizou), e a estrutura não poderia adequar-se mais ao conteúdo.

Aberto com os sussurros e sibilâncias entoados em crescendo por Abigail Fischer, “Mothertongue” (parte quadripartida “Arquive”, “Shower”, “Hress” e “Monster”) instala-se no ouvido e progride até à melancólica companhia que o piano vem fazer ao cântico angustiado posteriormente refundido naqueles murmúrios bulidos da alma. Mais orquestrada, “Hress” é melodia primaveril encerrada com “Monster”, que se veste de barroco mas celebra inquietude.

Justamente pelas linhas da inquietude se desenha o andamento seguinte, alcançando harmonia na finura sonora do cravo, somado, claro está, à bela prestação de Helgi Hrafn Jónsson (ponto alto no término da II parte de “Wonders”).

Porém, é com a última parte, “The Only Tune”, que Muhly alcança a completude. Chegados aqui percebemos que o disco enverga abordagens inconclusas de diversas dimensões atmosféricas-humanas. Em “The Only Tune” a dimensão acabadamente terrena até ao misticismo exacto da enfabulação-da-não-ficção é feita partitura. É preciso apreciar a folk para que a interpretação de Sam Amidon e o banjo surtam os devidos efeitos... e eis que o modo “repeat” passa a guilty pleasure imposto pelo hedonismo.

Para os ocasos que o Outono traz cada vez mais cedo, não se vislumbra melhor acompanhamento sonoro.